“Andareis em todo o caminho que vos ordenou YHWH vosso Elohim, para que vivais e bem vos suceda, e prolongueis os vossos dias na terra que haveis de possuir.” (Devarim/Deuteronômio 5:33)
Para quem já estuda a Torah há algum tempo, não é nenhuma novidade o fato de que Elohim promete abençoar e cuidar daqueles que procuram andar em obediência aos seus caminhos.
Shlomo haMelech (o rei Salomão) faz uma observação interessante a esse respeito:
“O que despreza a palavra traz sobre si a destruição; mas o que teme a mitsvah [virei mitsvah - וירא מצוה] será recompensado.” (Mishlei/Provérbios 13:13)
No cerne da obediência, Shlomo (Salomão) coloca o temor. O sentido do termo yarei (temor) no hebraico não é apenas o de ter medo, mas também o de profunda reverência, por ter noção da grandeza daquilo que se contempla. Esse segundo sentido pode ser visto no texto abaixo:
“YHWH, quem é como tu entre os poderosos? Quem é como tu glorificado em santidade, admirável em louvores [norá tehilot - נורא תהלת], realizando maravilhas?” (Shemot/Êxodo 15:11)
Qual poderia, portanto, ser o sentido de realizar as mitsvot (mandamentos) em temor? Essa questão ocupou Anan Ben David, que escreveu:
“O Misericordioso nos ordenou realizarmos os Seus preceitos com temor e reverência, como está escrito: Servi a YHWH com temor (Sl. 2:11). Apesar deste Servir a YHWH se referir ostensivamente à oração e requerer do homem que ele ore perante o Misericordioso com temor e tremor, como a partícula et foi aqui adicionada antes de YHWH devemos concluir que todos os outros preceitos semelhantemente devem ser realizados por nós com temor. Devemos também tratar os preceitos com reverência, conforme está escrito: Fazei glorioso o louvor a Ele (Sl. 66:2), significando, “cumpri vós a Torah em um espírito de reverência”, isto é, “reverenciai vós os seus preceitos.” (Livro de Preceitos – I.1)
A ideia de Anan Ben David é bem simples: quando observamos a Torah, devemos fazê-lo com espírito de reverência a YHWH.
Mas como isso funciona na prática?
A Torah é, para o israelita, o cerne da sua vida prática. Todo israelita pensa diariamente na Torah, no sentido de que ela o orienta sobre como deve agir, o que deve ou não fazer, etc. Mesmo nas coisas mais simples como o que comer, a Torah está presente. Aquele que observa a Torah pode perceber facilmente o quanto ela faz essa função norteadora. Isto é: a Torah nos dá o norte de como agir no cotidiano.
A relação do homem, contudo, com essa função norteadora pode ocorrer de diversas maneiras. Há quem veja a Torah como uma criança vê um pai com quem tenta negociar direitos e deveres. Assim como um filho negocia com o pai o mínimo que deve estudar, o horário máximo que deve chegar em casa, enfim, há quem esteja sempre testando os limites da Torah.
Há quem veja a Torah como uma espécie de contrato de trabalho. Assim como um trabalhador cumpre suas obrigações mensais para ter direito ao salário, há quem veja a Torah como uma fonte de obrigações que resultarão numa bênção após o seu cumprimento.
É verdade que a Torah nos coloca limites saudáveis. E é verdade que a Torah promete àquele que a busca uma vida sustentada pelo Eterno – não uma vida sem problemas, mas uma vida com o Eterno ao nosso lado. Mas, será que essas coisas devem nos motivar?
Se a nossa forma principal de analisar a Torah for de uma dessas duas maneiras, é possível que percamos a noção do principal objetivo da Torah. A Torah é o resplendor da glória de YHWH, transformado em instruções para que pudéssemos nós mesmos sermos luz das nações.
Em outras palavras, nossa posição perante a Torah deve ser, antes de mais nada, a posição do temor. Não o temor do medo punitivo, mas sim o temor que se refere à sensação de que estamos diante de algo que é maior do que todos nós.
Feche seus olhos por um momento, e imagine que a você foi confiada a guarda da porta do Beit HaMikdash (Templo) que estará eternamente estabelecido sobre o monte Moriá em Yerushalayim (Jerusalém). Ou imagine que você é um dos filhos de Kehat, transportando o Aron haBrit (Arca da Aliança) para o seu destino final, no Kodesh Kodashim (Santo dos Santos). Ou ainda, imagine que a você foi confiada a guarda da coroa que será utilizada na cerimônia que marcará o retorno da dinastia davídica.
Como você agiria? O que sentiria? O que pensaria? Com que zelo você procuraria realizar suas atividades? Como você veria a importância daquilo que faz?
Esse pequeno exercício pode te dar uma noção exata de como você deve se sentir perante o cumprimento da Torah. Porque nenhuma dessas coisas que acima foi descrita, seja a arca, o Beit HaMikdash, ou mesmo a coroa real davídica, é maior do que a Torah.
E a Torah foi confiada a você. Compreender que a você foi dada a maior revelação do universo, e que de você é esperado que cumpra o papel mais importante que existe no mundo, enfim, ter essa sensação quase hipnótica de se estar diante de uma revelação da grandeza de YHWH, é justamente aquilo que assegura que a nossa observância da Torah será adequada à importância que ela possui.
Seremos recompensados por isso? É claro que sim. Porém, até a recompensa se apequena em pouca importância comparada com a perspectiva que aparece adiante de nós, quando cumprimos a Torah em temor.
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